Em nome do Pai
Folha de Londrina, Espaço Aberto - 17 de junho de 2014

Há três filmes com este título e eu o tomo emprestado para refletir sobre um acontecimento histórico recente. Líderes religiosos do Congresso Nacional interferiram negativamente nos rumos da saúde da mulher e no campo dos direitos humanos e reprodutivos. No dia 22 de maio último, o Ministério da Saúde publicou a Portaria 415, autorizando todos os hospitais do SUS a realizar o aborto em casos de risco de vida da mulher, gravidez resultante de estupro (lei de 1940) e gravidez de fetos com anencefalia (lei de 12 abril de 2012).

Tratar-se-ia apenas de fazer cumprir a lei, mas a nova Portaria seria um grande passo  dado. Entretanto, passados oito dias, o governo Dilma Rouseff revoga tal Portaria e, assim,  deixa as mulheres, novamente, mendigando tratamento digno e humanitário, dentro do que lhes é de direito e também um dever do Estado. Uma mulher que foi estuprada e é obrigada a gerar o filho, ou a enfrentar grandes barreiras para efetivar a interrupção voluntária da gravidez ou, ainda, a realizar sozinha e de forma insegura esta interrupção, vai enfrentar a segunda violência e viver sob tortura.

 No Brasil, apenas 65 hospitais de referência são autorizados a fazer o procedimento nos casos em que a lei aprova, sendo que destes, somente 5 estão no Paraná, conforme excelente matéria sobre aborto, neste Jornal, no dia 26 de maio último. Alguns pensariam: como não há necessidade de apresentar B.O., é possível que mulheres que não foram estupradas sejam favorecidas. Eu apenas digo: paremos de andar para trás; vamos fazer cumprir as leis e dar um basta à possibilidade de os homens gerirem o corpo e a vida das mulheres. Elas não precisam ser tuteladas.

O Pai que eu aprendi a conhecer, companheiro em meu dia a dia, não assinaria embaixo desse despautério, porque Ele prima pela justiça e dignidade e pelo cumprimento das leis. Ele saberia se colocar no lugar da mulher em desespero e seria solidário diante do fato de que, no mundo, oito mulheres morrem por minuto, vítimas de aborto clandestino. Desde a década de 1990, em convenções mundiais, a ONU vem declarando que o aborto é uma questão de saúde pública, pois muitas mulheres, principalmente as pobres e negras, o realizam de forma insegura, sem a proteção do Estado, e acabam morrendo ou tendo sequelas físicas, mentais ou psicológicas.

O principal propósito deste texto é conclamar os professores universitários para que criem espaços para os estudantes de todas as áreas poderem refletir,  discutir e estudar questões sociais de grande urgência, como o aborto. Ensinemos nossos alunos a olhar uma mesma questão sob vários ângulos e não nos limitemos a formar apenas técnicos. Muitas universidades estaduais e federais de ponta, de norte ao sul do Brasil -  entre elas, por exemplo, Unicamp e Universidade Federal de Brasília -  vêm produzindo pesquisas e ótimos textos sobre este assunto. Se nossas universidades não formarem profissionais críticos e conhecedores dos direitos humanos, sexuais e reprodutivos, o rumo de nossas vidas acabará ficando nas mãos de lideres religiosos que usam e abusam do nome Pai. 

Por último, gostaria de fazer um complemento à matéria da Folha (26 de maio). Na Norma Técnica: Atenção Humanizada ao Abortamento, do Ministério da Saúde (2010, p.19), consta o seguinte: "Diante do abortamento espontâneo ou provocado, o/a médico/a ou qualquer profissional da saúde não pode comunicar o fato à autoridade policial, judicial nem ao Ministério Público, pois o sigilo na prática profissional da assistência à saúde é um dever legal e ético, salvo para proteção da usuária e com o seu consentimento. O não cumprimento da norma legal pode ensejar procedimento criminal, civil e ético-profissional contra quem revelou a informação, respondendo por todos os danos causados à mulher."


VOLTAR