O beijo que não aconteceu
Folha de Londrina, Espaço Aberto - 27/11/2005

Por meio da novela América, da Rede Globo, no ano de 2005, pudemos acompanhar a história de Júnior, o garoto gay, filho da viúva Neuta. Para os últimos capítulos, estava previsto um possível beijo entre ele e seu primeiro namorado, o que acabou não acontecendo.

O beijo na boca é uma possibilidade de manifestação de amor e carinho entre as pessoas. Nas décadas de 60 e 70, o beijo na boca era considerado um ato indecoroso e reprovável, seja em local público, ou na TV. Com tempo, ele passou a ser praticado livremente, e os adultos (nem todos, infelizmente) aprenderam a encará-lo sem maldade e tabu.

Foi bom não ter acontecido o beijo entre o casal gay, na novela, pois ainda não era o momento. As pessoas, em sua maioria, não estão preparadas para esta cena e a novela, até o ponto em que foi, trouxe grandes contribuições para a questão da homossexualidade. Mostrou a luta de Júnior e o seu sofrimento por não aceitar sua orientação sexual e por viver escondendo uma parte importante de sua pessoa. Ensinou que o sentir atração por pessoas do mesmo sexo é inerente à personalidade do indivíduo, que não é uma questão de opção e que ser homossexual não diminui em nada o indivíduo. Deixou claro o quanto o fato de nossa sociedade mostrar-se preconceituosa com esta questão dificulta, sobremaneira, a vida das pessoas que se descobrem homossexuais.

Vimos o esforço de Júnior, em vão, para apaixonar-se por uma garota. A figura de Elis, a mulher com quem se casou para disfarçar sua orientação sexual, teve um papel fundamental: ela lhe deu apoio emocional, ajudando-o a compreender o que se passava consigo próprio e incentivando-o a ser ele mesmo. Educadores podem exercer o papel amigo e orientador dos garotos e garotas em dúvida com sua orientação sexual, desmistificar a homossexualidade e promover o respeito à diversidade sexual. O êxito da vida acadêmica de cada estudante está atrelado à qualidade das relações humanas no espaço da escola.

Diante do assunto ou de pessoas homossexuais, a maioria fica constrangida e, para resolver isto, foge do contato com elas e evita pensar a respeito. Isto só intensifica o preconceito. Atualmente, a vida exige de nós, com urgência, que estejamos abertos a rever nossos conceitos e que busquemos compreender a diversidade sexual como inerente à condição humana.

A mudança de atitudes é um processo moroso e para que ela aconteça é preciso, primeiramente, que os comportamentos que se queira instalar aconteçam várias vezes. Muitos comportamentos que antes eram tidos como perversões, hoje são encarados como possibilidades. Assim como o beijo na boca, heterossexual e em público, custou para ser assimilado pela cultura, acredito que o beijo entre iguais também o será, pois, como todo ser humano, os homossexuais também têm o direito de manifestar seu amor e carinho.


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